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Relações Públicas e Gamification: Inovação nos relacionamentos internos organizacionais




Anderson Benites Lovato [1]
Marcela Guimarães e Silva[2]

Introdução

A atividade de relações públicas é estratégica ao estabelecer relacionamentos entre as organizações e seus públicos através de técnicas, instrumentos e práticas de comunicação, tendo competência para estruturar a comunicação organizacional, utilizando ações capazes de potencializar a divulgação das informações e assegurar a presença da organização no espaço público. Dessa forma, a atividade contribui para a eficácia organizacional quando auxilia o entendimento e o alinhamento dos objetivos da organização com as expectativas de seus públicos, e assume valor para a organização ao colaborar para a eficácia e a construção de relacionamentos de qualidade e de longo prazo com públicos estratégicos (Grunig, Ferrari, & França, 2009). Assim, a atividade tem como objetivo pragmático a busca por cooperação no sistema organização-públicos.
Diante dessa perspectiva, e considerando-se, especificamente, o ambiente interno das organizações, as relações públicas podem adotar processos inovadores, entre os quais a gamification, para a construção e manutenção dos relacionamentos.
A gamification refere-se à utilização das ferramentas e mecanismos de jogos com o objetivo de resolver questões práticas ou despertar engajamento em um público específico. Frequentemente, esse conjunto de técnicas tem sido utilizado por organizações de diversas áreas e segmentos como alternativas às abordagens tradicionais, adotando funções que possibilitem encorajar pessoas a adotarem determinados comportamentos e familiarizarem-se com novas tecnologias, agilizar seus processos de aprendizado ou de treinamento e tornar mais agradáveis as tarefas consideradas repetitivas.

A importância em se pensar sobre novos modelos para motivar e engajar o público interno ocorre a partir de uma realidade na qual esses colaboradores se veem, muitas vezes, desmotivados e cheios de distrações. Assim, o objetivo deste estudo é refletir sobre a gamification como uma estratégia voltada às relações públicas, visando potencializar a colaboração e promover a comunicação interna, a partir de uma pesquisa bibliográfica para entender a gamification suas etapas e aplicação, bem como sua aplicação enquanto uma estratégia de relações públicas.

Sobreas relações públicas e seus públicos

A atividade de relações públicas surgiu por intermédio do jornalista e publicitário Ivy Lee, no final do século XIX e início do século XX, nos Estados Unidos, na era da concentração de riquezas em grandes monopólios. Diante das grandes manifestações populares contra esse fato, no cenário norte-americano, surgiu a necessidade de existir um profissional capaz de entender os públicos e informá-los, e Ivy Lee passou a fazê-lo escrevendo artigos para jornais, na condição de assessor de imprensa, mostrando uma nova forma de as empresas se relacionarem com seus públicos. A ideia era de não usar a ação com a finalidade de fazer propaganda da empresa, mas de pensar em estratégias para se relacionar com os seus públicos.
Simões (1995), ao estudar as relações públicas no contexto das organizações observa-as, inicialmente, como um processo, ou seja, um processo de múltiplas dimensões de interação entre as organizações e seus públicos. Essa interação é ampla e considera fatores internos e externos à organização, suas causas e efeitos e todas as variáveis e tipos de relações, iniciadas tanto pela organização quanto por seus públicos. Considerando-se a função de relacionamento da organização com os seus públicos, também reconhecida por Simões (1995) pelo termo relações públicas, precisa ser administrada com planejamento, para que não seja concebido ao acaso, gerando surpresas no relacionamento entre organização e público.  A atividade de relações públicas específica no sistema organizacional, possui a finalidade de prever e controlar a função de relacionamento no agir das organizações (Simões, 1995).
Para conceituar relações públicas deve-se partir da sua definição operacional, a qual oferece as tradicionais etapas do exercício da profissão: diagnosticar a dinâmica no sistema organização-públicos na conjuntura político-econômica, prever o que irá acontecer nesse sistema, no curto e médio prazos, assessorar os líderes nas políticas organizacionais, implantar programas de comunicação, e, por fim, avaliar os resultados da intervenção no relacionamento organização-públicos (Simões, 1995).
Para Fortes (2003, p. 21), “às Relações Públicas está reservado o trabalho de conhecer e analisar os componentes do cenário estratégico de atuação das empresas, com a finalidade de conciliar os diversos interesses”. Nesse sentido, como objetivos principais das práticas de relações públicas destaca-se: a busca pelo reconhecimento das organizações, seus produtos e serviços pelos seus públicos, e a promoção da comunicação, interação e relacionamento entre público e organização, de modo equilibrado e, às vezes, duradouro, e, com isso, impulsionar o desenvolvimento organizacional.
Segundo Kunsch (2003), é possível destacar funções essenciais da atividade: função administrativa, função estratégica, função mediadora e função política, entendidas como a base para a gestão da comunicação organizacional.
Na função administrativa as relações públicas desenvolvem atividades semelhantes às outras áreas que compõem a organização. É por meio dessa função que se articulam todas as ações dentro da organização e entre os setores. Na função estratégica a organização se posiciona diante da sociedade, mostrando sua missão, visão e valores em que acreditam, com a finalidade de criar uma identidade e para ser bem vista no futuro. Através dessa função são abertos canais de comunicação a fim de a organização buscar credibilidade diante de seus públicos, valorizando o que tem de melhor para fortalecer o seu lado institucional. A função mediadora é uma das atividades de relações públicas responsável por fazer a mediação entre a organização e seus diversos públicos através dos meios de comunicação. Não é o caso de apenas informar, mas sim comunicar para que haja uma troca de informações e reciprocidade. A função política faz com que as relações públicas tenham ligações de poder na organização e na administração de crises e conflitos. “Para o desempenho da função política de relações públicas é fundamental compreender como se processam as relações de poder no interior da organização e sua influência nas relações com o ambiente externo” (Kunsch, 2003, p. 109).
Segundo Simões (1995), a função política das relações públicas tem como objetivo legitimar as organizações, ou seja, numa visão micropolítica as relações púbicas podem ser identificadas por sua relação de poder entre uma organização e seus públicos. Assim, a causa da existência da atividade de relações públicas está tanto na sua relação entre organização e público quanto na probabilidade de ocorrer um conflito entre ambos. “Trata-se do processo do sistema social (ou sociedade específica) organização-públicos, inserido em processos de sociedades maiores, isto é, a cidade, o Estado, o País e o mundo” (Simões, 1995, p. 45). 
A atividade busca esclarecer a todos dentro da empresa sobre seu papel e responsabilidade junto à opinião pública, além de orientar e assessorar todas as áreas da empresa no que diz respeito à forma mais adequada de conduzir suas relações com os públicos. Em relação a sua função operacionalrelações públicas é a gestão da função organizacional política (Simões, 1995).
De acordo com França (2008), os públicos, principais envolvidos nas estratégias de relações públicas, podem ser divididos em interno, externo e misto. O público misto se constitui de pessoas que não trabalham diretamente com a empresa, mas dependem dela para realizar os seus negócios ― fornecedores, revendedores, acionistas e prestadores de serviços ―, “é aquele que apresenta claras ligações socioeconômicas e jurídicas com a empresa, mas não vivencia as rotinas da empresa, e não ocupa o espaço físico da instituição” (França, 2008, p.114). O público externo pode ser as pessoas ou entidades que recebem ou se beneficiam dos bens e/ou serviços que a empresa oferece, mas não dependem diretamente da empresa, nem financeiramente:  concorrentes, poder público, comunidade escolas, hospitais, bancos, sindicatos, imprensa e seus consumidores ou clientes (França, 2008). O público interno abrange todas as pessoas que trabalham dentro da organização, as quais são afetadas diretamente por ela e colaboram para que a organização possa funcionar de maneira a gerar lucro. Esse público pode ser assim definido: os donos da organização, funcionários e seus familiares. França (2008, p.114) diz que público interno “é aquele que apresenta claras ligações socioeconômicas e jurídicas com a empresa onde trabalha, vivenciando suas rotinas e ocupando o espaço físico da instituição”.
Andrade (1988) define o público interno como “embaixadores da boa vontade”, reforçando que os clientes de uma organização e a comunidade irão acreditar mais facilmente no que diz um colaborador em relação à organização na qual trabalha do que em outras pessoas. Esse colaborador é um importante multiplicador para a organização, diz Kunsch (2003), e a esse público cabe uma comunicação mais consistente e contínua, enfatizando a importância de uma comunicação mais realista e transparente.
Pode-se dizer, então, que o público interno é estratégico para as organizações, e deve ser priorizado nos processos de comunicação, merecendo um planejamento de comunicação que seja capaz de atender aos seus anseios e necessidades de informação sobre a organização, pois esse é um público multiplicador de informações e capaz de gerar resultados facilmente mensuráveis desde que devidamente comprometido.
As transformações da sociedade incidem no ambiente organizacional levando à mudança nos hábitos e comportamentos públicos, despertando a necessidade de se criar métodos inovadores nos ambientes organizacionais. Assim, novas técnologias, técnicas e práticas passam a ser adotados nos processos de relações públicas, pois as organizações tradicionais e hierarquizadas, baseadas no modelo industrial de trabalho, com chefias autoritárias e conservadoras e trabalhadores com uma rotina padronizada e pensamento limitado à execução de tarefas, dão lugar a novas configurações de organizações abertas ao diálogo e à colaboração. Assim, organizações investem em novas formas de engajamento e fortalecimento dos relacionamentos internos, entre as quais a gamification, considerada uma estratégia lúdica de aprendizado capaz de fortalecer tal relação.

Noções do processo de gamification

A importância crescente que a “cultura gamer” vem desempenhando na sociedade, tem inegável impacto no conceito de entretenimento, educação e treinamento. O game, como produto cultural, é visto, enquanto mídia, sob diversas perspectivas: manifestação de arte, nova forma de aprendizagem e até como o mais recente ícone da cultura pop, o que só vem comprovar, cada vez mais, a notável influência e relevância cultural dos games na contemporaneidade (Santaella, 2013).
A gamification surgiu como termo pela primeira vez por intermédio de Nick Pelling, no ano de 2002, porém se popularizou, em 2010, a partir de uma apresentação no TED de Jane McGonial. Gamification é um termo em inglês, sem tradução ou equivalente imediato em português, que se refere ao uso de jogos em atividades diferentes de entretenimento puro” (Vianna, Vianna, Medina, & Tanaka 2013, p. 09).
Com o passar dos anos, outros autores buscaram definir gamification.É o uso de elementos e designs dos jogos em contextos que não são lúdicos” (Werbach & Hunter, 2012, p. 26). Ainda segundo os autores, "é o processo de manipular a diversão para servir aos objetivos do mundo real" (2012, p. 6). A gamification é o uso da mecânica baseada em jogos, estética e pensamento lúdico para construir lealdade, motivar ações, promover aprendizagem e solucionar problemas” (Kapp, 2012, p. 10). “É a aplicação de recursos dos jogos (design, dinâmica, elementos e etc.), em contextos de não jogo para modificar o comportamento dos indivíduos através de ações sobre sua motivação” (Teixes, 2014, p. 23).
Para Kevin Werbach (2012) existem três categorias em que a gamification agrega valor. A primeira é externa, se refere à organização na qual se está inserido, basicamente com aplicações de gamification voltadas aos consumidores em potencial. A segunda, interna, ocorre sobre aplicações de gamification em pessoas que já fazem parte da empresa, os colaboradores, por exemplo.  A terceira categoria proposta por Werbach é descrita como mudança de comportamento, em que se busca encorajar as pessoas a participarem de algo que normalmente elas não o fariam. É engajar a participação do público-alvo em relação a algo que precisa ser feito, mas há dificuldade em superar alguns obstáculos. Desse modo, a gamification poderá dar a motivação necessária para mudar o comportamento e tornar determinada prática um hábito, e mesmo que as pessoas já saibam que algo precisa ser feito, a gamification irá tornar mais satisfatório esse ato. 
Motivar, gerar cooperação, feedback imediato, possibilidade de mensurações quantitativas e qualitativas, aprender fazendo e com diversão são alguns dos objetivos da gamification. Os jogos são boas ferramentas para estimular o pensamento sistêmico, mostrando ao indivíduo que suas ações fazem parte de algo maior, o que é de grande valor para o ensino e também para promover o entendimento de diversas questões. Existe uma grande variedade de técnicas que podem ser usadas na gamification, todas ligadas por princípios gerais do uso de elementos e técnicas de design de jogos para resolver problemas que não são de jogos.
Os games são um formato moderno de organização das pessoas com a finalidade de alcançar um objetivo. A estrutura e os modelos operacionais das empresas ainda são os mesmos de décadas passadas, baseados na hierarquia, na burocracia e na especialização do trabalho com o objetivo de alcançar escala e eficiência dos resultados. Esse modelo exige funções e responsabilidades claramente definidas, processos exatos e gerência baseada em comando e controle, assim como se observa em organizações militares, porém no mundo moderno, esse modelo limita a capacidade individual (Vianna et al., 2013).
Participar de um processo de gamification não significa, necessariamente, jogar um jogo, mas apropriar-se de seus aspectos mais eficientes, como a estética, mecânicas e dinâmicas. A aplicação desse método envolve criação ou adaptação de uma experiência do usuário a determinado produto, serviço ou processo, com o objetivo de despertar emoções positivas, explorar talentos pessoais ou fornecer recompensas, sejam elas físicas ou virtuais, ao cumprimento das tarefas estabelecidas no jogo. De acordo com Huizinga (2000), o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.
No trabalho ou nas relações afetivas, quase sempre as regras são confusas, as metas, indeterminadas, e a forma de alcançá-las, muitas vezes, é desconhecida. As atividades não costumam receber feedback, as recompensas, quando existem, podem levar algum tempo para vir. Nesse contexto, é compreensível que existam os jogos, pois eles saciam de modo mais claro e com eficiência a busca pelo cumprimento dos objetivos.
O conceito dos jogos é uma forma moderna para as organizações inovarem nos relacionamentos, visando ao alcance de um objetivo específico, pois os modelos operacionais da maioria das empresas ainda são os mesmos do século XIX, baseados em hierarquia e burocracia (Vianna et al., 2013).  Essa forma de trabalho dificulta, inclusive, o desenvolvimento da criatividade e transforma o colaborador em um indivíduo estritamente operacional.
O estudo da Lucent Technologies sobre satisfação no emprego reforça essa afirmação, pois os resultados revelam que apenas 20% de 262 profissionais afirmaram que os programas de treinamento formal da sua empresa atendiam suas necessidades, ainda que cerca de três quartos (73%) tenham dito que sua carreira exigia aprendizagem e crescimento. Isto é, os colaboradores sentem a necessidade de aprendizado e conhecimento na organização, porém já não veem mais sentido e resultado nos modelos tradicionais, em que apenas um fala e outro escuta (Florida, 2011).
No entanto, aplicar um processo de gamification não se refere a reproduzir uma receita pronta, pois as pessoas costumam se comportar de diferentes formas, e é necessário levar em consideração diversos aspectos. Diferentemente do design de games voltados ao propósito de entreter, a gamification utiliza a mecânica dos jogos para transformar ou desenvolver novos comportamentos.

A aplicação de uma bem-sucedida estratégia de gamificação está diretamente associada ao entendimento do contexto em que se insere o usuário, e quais são seus anseios e limitações extrínsecos (incitados pelo meio externo) e intrínsecos (automotivados). (Chou apud Vianna et al., 2013, p. 18)

Mas o que caracteriza um jogo como tal?  McGonigal (2012) resume o jogo com apenas quatro fatores comuns: meta, regras, sistema de feedback e participação voluntária. Essa redução pode ser entendida não como o desaparecimento dos outros fatores, mas como a transformação e a ressignificação do conceito do termo jogo no contexto da pós-modernidade.
A meta é o fundamento que justifica a realização de determinada atividade por parte dos jogadores, é o componente pelo qual os participantes de um jogo concentram suas atenções para atingir os propósitos designados. E meta não deve ser confundida com objetivo, pois a primeira ultrapassa a ideia de conclusão de uma tarefa, é um propósito a ser perseguido pelo jogador, servindo como uma orientação durante o jogo. As regras têm a função de definir a maneira de o jogador se comportar e como irá organizar suas ações para cumprir os desafios, e elas se ajustam à finalidade frente à complexidade do desafio para estimular a criatividade e o pensamento estratégico. O feedback orienta e informa ao jogador como está seu desempenho frente ao desafio proposto e sua interação com a atividade, o que também contribui para a motivação à medida que o participante está ciente do seu progresso. A última característica é a participação voluntária, em suma o participante deve aceitar os três aspectos anteriores para que haja harmonização no jogo proposto. (Vianna et al., 2013).
De acordo com Richard Bartle[3], passou-se a considerar que um amplo conjunto de perfis poderia ser resumido em quatro grupos abrangentes de jogadores. Predadores ou Killers são competitivos, possuem comportamento agressivo e costumam provocar os adversários. Esse perfil representa 1% dos jogadores. Conquistadores ou Achievers representam cerca de 10% dos perfis dos jogadores. Caracterizam-se pela motivação ao realizarem todas as atividades propostas, fazem uma imersão no seu contexto e preferem se destacar dos seus oponentes pela lealdade e por seus próprios méritos. Exploradores ou Explorers gostam de desvendar todas as possibilidades e questionamentos do jogo. Para esse perfil o mais importante é a trajetória e o aprendizado, e representam 10% dos jogadores. E os Comunicadores ou Socializers são percebidos como aqueles que observam, através dos jogos, uma oportunidade de socialização, considerando-a mais importante do que atingir os objetivos, pois para eles, o jogo é a oportunidade de criar vínculos sociais. Esse perfil representa o maior número de jogadores, totalizando 80% (Bartle, 2005).
Na concepção de Vianna et al. (2013), um bom elemento de recompensas é primordial para desenvolver uma boa mecânica de jogo, e representa o principal motivo pelo qual os jogadores irão se motivar a permanecer jogando. Também há cinco ações passíveis de serem mencionadas como formatos de recompensa que merecem atenção especial: status, acesso, influência, brindes e giftings. Deve-se ressaltar também que o monitoramento de métricas é de extrema importância, pois através dele os participantes saberão se estão no caminho certo, sendo necessário um acompanhamento e aderência à dinâmica desenvolvida, os quais irão oferecer dados fundamentais para a revisão da estratégia adotada. “Adequar missões, monitorar a motivação dos jogadores e mensurar as métricas por eles geradas são, portanto, as três iniciativas indispensáveis à assertiva avaliação do grau de sucesso alcançado pela proposição” (Vianna et al., 2013, p. 37).      
A experiência da gamification é diretamente influenciada pelo ambiente onde ela acontece. A iluminação, o som, o cheiro do espaço, portanto, fazem parte do denominado por Huizinga (2000) de círculo mágico. O autor sugere que, nesse mundo imaginário e temporário, as regras do jogo são entendidas como uma descrição correta e adequada da realidade, que deve ser aceita, voluntariamente, por todos os jogadores.
          
       Figura 1: Circulo mágico de Johan Huizinga adaptado por Pinheiro e Zaggia.









Fonte: Pinheiro & Zaggia, 2017, p.81.
Assim, no círculo mágico, as coisas ganham nova dimensão e um novo significado. Ao final da gamification, a percepção do sujeito sobre o tema ali exposto será alterada pelas experiências recém-vivenciadas nessa imersão. Assim, passa-se a enxergar novas maneiras de compreender e solucionar os problemas ou temas propostos na gamification (Pinheiro & Zaggia, 2017).
Treinamentos, reuniões e outras atividades dessa natureza não costumam ser as preferidas dos trabalhadores nas empresas, principalmente quando não enxergam com clareza uma relação com a prática do seu cotidiano no ambiente profissional. Por isso, motivar as pessoas a dedicarem seu tempo a essas atividades se torna um desafio.  Possibilitar que tais iniciativas assumam contornos mais lúdicos através dos elementos dos jogos poderá estimular uma competitividade positiva e, em consequência, gerar comprometimento espontâneo no desempenho de tarefas repetitivas ou pouco estimulantes ao intelecto (Vianna et al., 2013). 


A gamification em Relações Públicas

A gamification, nas relações públicas, pode ser inserida em suas práticas, entre as quais a comunicação interna, que faz parte da comunicação organizacional. Esse tipo de comunicação é dirigido a um público essencial para a organização, o interno, que, informado, irá colaborar na disseminação do que se quer comunicar, além de evitar rumores e conversas pelos corredores que, inúmeras vezes, podem ser comentários negativos acerca de um assunto especifico. Esse público deve ser o primeiro a ser informado, respeitando-se o fluxo de comunicação organizacional de dentro para fora da organização.
Melhorar os processos de comunicação interna implica melhores canais de comunicação, qualidade nas mensagens comunicadas e eficácia na comunicação entre todos os departamentos da empresa. Com a utilização da gamification possibilita-se a melhoria nas interfaces e na disseminação de informações, para além de folhas de papel e caneta, priorizando o compartilhamento, e, em diferentes tipos de interações, também se possibilita uma compreensão facilitada de conteúdos mais densos e técnicos.
Portanto, quando a gamification é realizada de forma correta, além de resultados positivos nas áreas da empresa, também permite tornar o ambiente de trabalho mais harmonioso e agradável para todos que constituem a empresa. Dentro da organização a informação é passada para profissionais de diversos níveis, e a gamification pode possibilitar que a compreensão seja igual para todos através de uma linguagem que atente para os diferentes níveis hierárquicos no jogo.
Também pode-se utilizar a gamification com o objetivo de consolidar a cultura da empresa diante do seu público, isso porque, atualmente, umas das maiores preocupações das empresas é reduzir a rotação dos seus trabalhadores mais qualificados, e reter talentos acaba sendo um problema para pequenas e médias empresas. A alta rotatividade implica em diversas questões para as empresas, uma delas é a perda de produtividade. A gamification pode ajudar, sobretudo, a aumentar o envolvimento dos trabalhadores na empresa e, às vezes, também reduzir os custos de incorporação (Teixes, 2014).
No planejamento estratégico, as relações públicas podem utilizar a gamification, pois, na maioria das vezes, as empresas encontram dificuldades em alinhar um entendimento de forma macro que irá se desdobrar em um conjunto de práticas a serem realizadas por todos os colaboradores.  Para a solução desse problema aplica-se um jogo colaborativo, com metas coletivas entre áreas e departamentos alinhadas à visão global da organização. Assim, cada jogador precisa realizar tarefas para a conquista de pontos individuais, mas que ajudarão sua área ou departamento.
               Para a fidelização e consolidação da marca perante seus clientes, utiliza-se a gamification como forma de aumentar as vendas, e até aumentar o tráfego no site da organização e o tempo de permanência nestes, motivando o interesse pela descoberta do produto pelo mercado;  obter dados de contato de futuros clientes, incentivando clientes e usuários fazerem  feedback sobre os produtos  e serviços da organização (Teixes, 2014). 
            A gamification também pode ser utilizada para eventos, tendo como objetivo principal a criação de experiências inovadoras, criativas e engajadoras aos seus participantes. Deve-se pensar, inicialmente, sobre qual evento será realizado, podendo ser o lançamento de um produto, workshop, palestra, feira entre outros. Os eventos são instrumentos estratégicos na comunicação organizacional, pois por trás de sua organização existe um objetivo que se deseja alcançar. Um evento gamificado possibilitará também uma diferenciação de outras marcas e um reforço para a imagem institucional da organização em que o relações públicas estiver realizando essa estratégia.
            Em reuniões, a gamification poderá significar uma melhora em questões como feedback, que, na forma tradicional, ocorre uma vez ao ano, e às vezes não ocorre.  Clarificar os objetivos da organização para seus colaboradores, fornecer informações claras e com antecedência possibilitará maior engajamento por parte dos membros da empresa, ao se sentirem parte do processo de construção e alinhamento de informações, deixando de ser algo imposto para ser algo participativo.
Nos treinamentos, a gamification poderá possibilitar excelentes resultados, pois “desenvolver habilidades humanas está na essência de qualquer jogo” (Pinheiro & Zaggia, 2017, p. 95). Muitas empresas, ao perceberem isso, passaram a investir na gamification como uma forma de desenvolver seus colaboradores, a qual pode ser utilizada para desenvolvimento de líderes, treinamento para determinado setor da empresa, motivação, autoavaliação e saúde do colaborador.

Considerações Finais

Com o crescimento da produção de conhecimento no campo de estudo das relações públicas, novos elementos se mostram pertinentes, como oportunidade para a profissão/atividade ser pensada de forma criativa nos processos de relacionamento com os públicos. Além disso, na gestão dos relacionamentos internos de uma organização as relações públicas devem estar atentas às mudanças de comportamento e tendências para que seus métodos não se tornem obsoletos.
Os relacionamentos possuem uma necessidade de inovação na sua gestão, pois a forma com que as pessoas se relacionam mudou, seus interesses e gostos também. Assim, a gamification pode ser considerada uma estratégia de relações públicas para as organizações, com o objetivo de modificar o ambiente interno, estabelecendo uma nova forma de interação com seu público, pois esta proporciona uma mudança na construção de relacionamento entre uma organização e seus públicos. Além disso, a gamification pode ser um recurso para esses ambientes pelo fato de ser um método inovador de aplicação de jogos em situações que não são de jogos, visando resultados em produtividade, comprometimento de funcionários e introdução de mudanças organizacionais, e também um estimulo à inovação. Tais inovações possibilitam transformar a forma de trabalho em algo que antes era vertical para algo horizontal e acessível a todos.
Talvez esse seja o futuro das relações públicas, ou seja, pautar-se por atividades criativas e inovadoras, levando em consideração os interesses dos públicos e da organização, por meio do equilíbrio das suas relações e de estratégias que gerem engajamento de ambas as partes.


Referências

Andrade, C.T.S. (1988). Curso de Relações Públicas. (4ª ed). São Paulo: Atlas.

Bartle, R. (2005). Virtual words: Why people play. Massively, multiplayer game development. Disponível em: http://mud.co.uk/richard/VWWPP.pdf.

Grunig James, E., Ferrari Maria, A., França, F. (2009). Relações públicas: teoria, contexto e relacionamentos. (1ª ed). São Caetano, do Sul, SP: Difusão Editora.

Florida, R. (2011). A ascensão da classe criativa e seu papel na transformação do trabalho, do lazer, da comunidade e do cotidiano. Porto Alegre: L&M.

Fortes, W.G. (2003). Relações Públicas, processo, funções, tecnologia e estratégias. São Paulo: Summus.

França, F. (2008). Públicos: como identificá-los em uma nova visão estratégica. (2.ed). São Caetano do Sul: Yendis.

Huizinga, J. (2000). Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva.

Kapp, K. M. (2012). The Gamification of Learning and Instruction: Game-Based Methods and Strategies for Training and Education. New York: Pfeiffer: Na Imprint of John Wiley & Sons.

Kunsch, M. M. K. (org). (2003). Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. (4. Ed). São Paulo: Summus.

Mcgonigal, J. Realidade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. (2012) Rio de Janeiro: Best Seller.

Pinheiro, A., Zaggia, J. L. (2017). Gamification Humanizado. (1ª ed). São Paulo: Triunica.

Santaella, L. (2013). Comunicação Ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus.

Simões, R. P. (1995). Relações Públicas: função política. (3ª ed). São Paulo: Summus.

Teixes, Ferran. (2014). Gamificación: fundamentos y aplicaciones. Barcelona: Anglofort.
Vianna,Y.,Vianna, M., Medina, B., Tanaka, S. (2013). Gamification, Inc: como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de Janeiro: MJV Press.

Werbach, K. (2013). Gamification: University of Pennsylvania. Disponível em: https://www.coursera.org/learn/gamification

Werbach, K., Hunter, D. (2012) For the Win: How game thinking Can Revolutionize your Business. Wharton Digital Press.






[3] Professor e pesquisador de jogos britânico, conhecido por ter sido o criador do primeiro MUD, MUD1, e autor de um livro seminal sobre criação de jogos, Designing Virtual Worlds.


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